Não tenho a mais pequena dúvida que os metaleiros da
minha geração foram manietados e desencaminhados pelo poder hipnótico destas
duas monstruosas figuras da rádio :
António Sérgio e Luis Filipe Barros.
Numa época em que a internet não passava de uma miragem,
os programas , Lança Chamas e Rock em Stock, captaram a atenção dos putos que
ansiavam por novos estilos e
sonoridades.
António Freitas , fazia parte dessa multidão mas, o seu enorme
talento, fez… maravilhas !
Os Deuses, António Sérgio e Luis Filipe Barros, não estavam loucos quando “abençoaram” esse
puto maravilha que, aos poucos , percorreu o seu caminho
e transformou-se numa das vozes mais influentes do nosso meio musical.
Este blogue já passou por muitas fases, teve altos e baixos mas, agora… entrou mesmo em ALTA TENSÃO !
Diretamente da Antena 3… o MESTRE está aqui !
Na
altura da tua infância quais foram os
fatores que orientaram os teus gostos
musicais no direção do Metal. Alguma banda ou álbum em
especial ? Influências de amigos ?
O meu irmão contava-me histórias que, em Luanda ,
quando eu era bebé, costumava adormecer-me a ouvir Led Zeppelin, Creedence Clearwater Revival e coisas assim do género. Portanto, só por aí, tenho que agradecer ao
meu irmão pelo excelente bom gosto. Eram
as cenas que ele ouvia na altura em
gravador de bobine.
Aos 10 anos virei-me efetivamente para a música. Era um
fascínio total talvez derivado à Generation
Gap entre mim e a minha mãe. Ela teve-me muito tarde e, talvez por não me associar muito às ideologias
dela, cresci assim um bocado à parte. Era um puto um bocado
virado para o solitário.
Depois aconteceu o boom, tinhas o Rock
em Stock e o Lança Chamas na Rádio Comercial. Terá sido mais por aí. Foi mesmo
quase pela rádio.Depois , com o acompanhamento de amigos lá da rua, ouvia Sex Pistols, Ramones e Van Halen. Os AC/DC eram uma paixão absoluta. Eu já contei este
episódio várias vezes : na altura eu ouvia
o Highway to Hell no Rock
em Stock e, quando ía para a escola,
passava pela loja da Valentim de Carvalho : numa semana, estava lá o Powerage, na semana a seguir, o Dirty Deeds Done Dirt Cheap e eu só pensava : “ quantos álbuns é que estes gajos têm ?”. Ficava completamente perplexo porque na
altura não havia grande informação. Tinhas a revista Musica & Som e pouco mais. Depois apanhei com a New Wave
Of British Heavy Metal, Punk
e algumas bandas de New Wave. Os Devo continuam a ser uma das minhas bandas favoritas e ainda hoje
estive a ouvir. Mas a minha sonoridade favorita é mesmo o Metal. Depois comecei
a descobrir os Black Sabbath, os Thin Lizzy, os UFO, eh pá …
Segundo reza a lenda,
o início da tua carreira foi algo de surreal… foste logo parar junto do grande António Sérgio. Como é que isso aconteceu ?
Tive a felicidade e a sorte… e eu digo isto muitas vezes, se não fosse essa pessoa eu não estaria vivo
sequer , porque na minha adolescência, provavelmente, teria
seguido por maus caminhos. No meu prédio vivia o João David Nunes que era
o diretor da Rádio Comercial. A minha
mãe cruzava-se muitas vezes com ele e, como também tinha filhos novos, costumava perguntar : “ Então , D.Rosa , como
é que está o Toni nas aulas?”, “Ai,
Sr. David Nunes, ele não gosta nada de
estudar, eu não sei o que vai ser dele…
só gosta de música, diz que quer ser engenheiro de música e blá, blá,
blá…”. Aquelas lamentações todas
próprias de uma mãe. Por volta dos meus
17 anos , o Sr. David Nunes disse à D.Rosa : “ Oiça, vamos fazer assim, o Toni vai lá ter comigo à rádio para fazer um
estágio, mas, se ele não tiver jeito , vem
como foi, não há nada, não se passa nada e acabou-se tudo, ok ?”.
A minha mãe ficou felicíssima e eu ainda mais feliz da vida,
porque ía trabalhar para a rádio dos programas que eu ouvia . Atenção,
repara que eu não percebia absolutamente
nada de rádio , sabia carregar no botão, ouvia a música e ouvia as pessoas a
falar sobre a música… ponto. Não tinha a mais pequena noção do que era a rádio,
do que era um assistente de realização…
Naquela altura nem
sequer imaginava que iria fazer um programa de rádio, Tú estares ali , com
aqueles autênticos monstros como o
Carlos Cruz, Herman , Luís Filipe Barros,
José La Féria… imagina o que é conviver
com essas pessoas. Ficava completamente
de rastos !
Mas o António Sérgio terá sido a pessoa que mais te
marcou…
Sim, o António Sérgio foi sempre uma referência, não só pelo registo de voz como pelo facto de fazer o meu programa favorito . Eu ofereci-me como voluntário para ser
assistente dele. Não era sequer pago para isso, bastava ter a honra e a
felicidade de estar ali perto Uma verdadeira
escola de vida e, como digo, foi talvez a minha salvação de, como puto
adolescente parvinho, me ter metido por
caminhos perigosos.
O facto de teres convivido com toda essa gente alargou-te os horizontes e deu-te aquela dose
extra de motivação para seguires o teu caminho ?
Repara numa coisa, eu não pensava nisso nesses termos,
julgava que aquilo era um sonho muito bom que a qualquer momento podia acabar . Nunca considerei aquilo como uma
forma de emprego . As coisas vieram ter comigo. Nessa altura surgiu a revista Super Som e convidaram-me para fazer lá uma página a
escrever sobre algumas bandas. As pessoas também me reconheciam algum talento
no aspeto de que conhecia muita música e era um puto atento . Sabia que fulano
de tal tinha estado naquela banda e depois deu o salto para a outra e coisas
desse género. Eles às vezes até pensavam que eu inventava essas cenas.
Foi uma autêntica aventura. Nem nos meus sonhos mais estapafúrdios eu
alguma vez pensei nisso. Isto não estava
nos meus planos porque eu nem sequer tinha planos. Eu cheguei a ser ajudante nas obras ,ajudante
de eletricista e coisas desse género…
Não há volta a dar, parece mesmo que tinhas já tudo planeado.
É que a partir daí
foi sempre a subir . Fizeste parte
daquela fabulosa equipa que colocou a
Rádio Energia no mapa .
Acho que em público nunca disse isto, mas confesso que fiquei triste quando vi o Miguel Quintão e o Augusto Seabra abandonarem a Rádio Comercial
depois de termos tido aquela aventura do
Rock em Stock de 6 horas com o Luis Filipe Barros.
Eles
foram abrir efetivamente a Rádio Energia. Mas o Miguel Quintão sempre disse : “ Puto, tem calma, mantém-te
firme que daqui a uns tempos nós conversamos”. A Rádio Energia, no
início, tinha um programa de heavy metal
que, na minha perspectiva, era feito
de forma algo improvisada .
Um ano depois da Energia
estar no ar, vieram ter comigo com a proposta de eu ser um dos produtores, ou seja,
coordenar notícias, fazer sons e
coisas assim do género. A minha condição para ir para lá foi : fazer a hora de Heavy Metal à noite. Para isso
tiveram que afastar a pessoa que lá estava. Pronto,
eu não queria que acontecesse nada de mal a essa pessoa mas… são
vicissitudes da vida.
Foi nessa altura que deste o verdadeiro salto…
Aí foi efectivamente a minha oportunidade de marcar um
territoriozito… porque a rádio era local. Como eu tinha o background do Lança Chamas pude designar um programa de 1 hora de metal
diária , onde incluía todas as vertentes da sonoridade. Eu
gosto muito de Hard- Rock e Heavy Metal,
algumas coisas de Black Metal e de Grindcore,
mas acredito que do outro lado as pessoas
também gostem de outras coisas. Portanto, a minha obrigação era divulgar e mostrar… sempre
foi essa a minha atitude desde o início do programa.
Tinhas liberdade para isso ?
Sempre me deram.
Havia muita gente que dizia que
eu era um vendido e que estava feito com as editoras. Quais editoras ? Era eu
que ía ter com as editoras , “ Vocês
já têm este álbum dos Fear Factory ? Isto é um som do caraças !”. A resposta era sempre a mesma : “ Ó Freitas lá
estás tú com as tuas coisas , a gente nem conhece isso…”. Sempre
foi assim percebes ? Era raro as editoras virem ter comigo . Mas tens aí aquela
malta que pensa que é muito esperta e percebe muito das coisas: “ O gajo é um
vendido, as editoras e o caraças… “. Isso é o espírito mesquinho muito próprio
português, que também existe no estrangeiro,
devo confessar.
A única liberdade que não tive foi nos horários…
A chegada à
televisão era inevitável e começou , creio eu, na SIC Radical...
Não sei se era inevitável, mas nessa altura já havia a
curiosidade de poder fazer um programa
onde se mostrasse basicamente videoclips e se divulgasse as bandas. A aventura deu-se , por acaso, com alguma coisa que vinha a ouvir no carro
agora mesmo : Slipknot.
Na Energia comecei a escrever para o Blitz. Tinha lá as minhas entrevistas e aí realizei uma ideia que tinha quando comecei a
trabalhar na rádio que era poder entrevistar os artistas que faziam música. Uma
das coisas que me irritava solenemente, era ler
revistas e jornais onde tinhas criticas
de um senhor qualquer : “Isto é muito barulho, o Bon Scott tem uma
voz de cana rachada, blá, blá, blá… “. Nunca ouvias a palavra dos próprios
autores o que me deixava bastante frustrado. Uma coisa que eu consegui realizar
graças ao poder de estar associado à rádio foi ter uma entrevista por semana num
jornal como o Blitz. A partir daí as pessoas começaram a ter a noção do que é
que eu fazia e surgiu um convite para ir ao Curto Circuito da SIC Radical , entrevistar, precisamente, os Slipknot.
Eles estavam assustadíssimos com a ideia de terem lá aqueles mascarados. Naquela altura a imagem era
de facto intrigante para muita gente.
Depois
deste episódio com os Slipknot surgiu mesmo um programa a sério…
Essa aventura dos Slipknot foi o início. A partir daí eles ficaram fascinados pelo facto de eu estar à vontade
a fazer as perguntas e a traduzir quase em simultâneo. E surgiu o convite : ” Ó Freitas que achas da
ideia de vires cá uma vez por semana ?”. A resposta só, podia ser uma : “Por mim, à vontade… vamos lá !”. Após algum tempo
as pessoas começaram a sugerir que eu tivesse um magazine ,ou seja, um programa à parte.
E foi assim que,
efectivamente, acabou por surgir o Hipertensão.
Depois tiveste uma colaboração com a revista Loud.
A Loud foi
fundada por mim. Primeiro, abandonei o Blitz para lançar a revista Riff que não correu muito bem porque o dono não era assim muito a favor de gastar
dinheiro e de pagar às pessoas . As
coisas acabaram por não funcionar. Esse
projeto acabou e a mesma equipa fundou a
Loud. Era eu,
o José Rodrigues, Nelson Santos e o grandioso Emanuel Ferreira. Ainda me lembro de estar a dar o número zero no espetáculo dos Korn no Pavilhão Atlântico. A tirar as revistas do porta bagagens do meu
carro para as oferecer. Foi uma imagem brutal
!
Os tempos mudaram, agora temos a internet e basta um clique
para a malta aceder a tudo o que se vai fazendo. A rádio será engolida pelo sistema ou terá o importante
papel de colocar alguma ordem na casa ?
Eu penso que na internet está tudo misturado e torna-se difícil separar o trigo
do joio…
Absolutamente, é precisamente essa a minha opinião
A imensidão da internet… aí é que está, os putos não conseguem,
efectivamente, saber tudo.
Eu, tal como tú, já temos a experiência de termos acompanhado o
nascimento de uma sonoridade , a evolução, a derrocada,
o renascimento… temos a
facilidade de encontrar o que é realmente
genuíno.
A rádio continua a ser o fenómeno de comunicação mais
imediato que tú podes ter. Atenção, com
as devidas distâncias, porque se estás à
espera da meia-noite para ouvir um programa, obviamente, hoje em dia, com a internet, já conseguiste aceder a essa informação. De
qualquer das formas, a rádio será sempre uma escola . Nos Estados Unidos começaram a lançar novos grupos em programas de televisão que tinham grande
fama, deram várias voltas às coisas e , pelas próprias palavras do influente produtor Rick Rubin,
acabaram mais uma vez no sítio do costume, ou seja, na rádio… nos radio personalities. As pessoas
identificam-se com o Howard Stern, sabem
o que é que ele gosta e ouvem-no. Por aí
, mais facilmente conseguem chegar às coisas. Por aqui o que é que eu posso oferecer
? A minha experiência , o facto de ter
já conhecido muitos artistas,
já topar alguns de ginjeira e
perceber quando é que eles estão a mentir ou a dizer verdade. Percebes ?
Isso é coisa que na internet não consegues ter , muito menos as novas gerações, porque
desta banda podem passar para aquela
e para a outra…
Como analisas o momento atual da cena metaleira mundial
? Por exemplo, o caso da
proliferação das Female Fronted Bands.
Será apenas uma moda ou veio mesmo para ficar ?
Esse é um
movimento que já está em marcha e não
pode ser parado. É como o Rock ‘n’Roll: toda a gente dizia que iria perder o interesse, mas a verdade é que já existe desde o final
dos anos 60 , proliferou e continua por
aí . Até mesmo quando andaram a declarar
que o Punk estava morto. Não
está nada morto ! Tú vais ter as novas gerações que ficam fascinadas por uma banda que ouvem… vão querer imitar e depois ganham a sua própria personalidade. O efeito é perpétuo. O fenómeno das Female Fronted Bands surgiu com uma onda mais gótica com o sucesso dos Nightwish e Within Temptation . Por aí se começa a
evoluír. Depois tens case studies
como o caso dos Arch Enemy, que têm uma
senhora a vociferar e com uma voz mais
ameaçadora que muitos homens que andam
por aí em certas bandas .
Com
toda bagagem que adquiriste ao longo do
tempo, será que ainda existem bandas que
te chamem a atenção ?
Cada vez que encontro o meu amigo Billy Gould dos Faith
No More digo-lhe sempre
“Já está tudo inventado man “ ele fica logo irritado “ Não está nada ,
não sejas assim, é mentira, há milhões de combinações de acordes e não
sei quê”, eu respondo “ Não me lixes, diz-me lá uma coisa nova que tenha aparecido”
e o gajo cala-se… estamos sempre nessa conversa . Sou apologista
de que, realmente, é cada
vez mais difícil construíres uma personalidade . É isso que eu digo às bandas que entrevisto : “Vocês têm que ser vocês mesmos, têm que ter um vocalista que se distinga e que não seja igual a todos os outros que já existem. Têm que fazer qualquer coisa com o vosso cunho”. Isso leva tempo , obviamente é necessário evoluír para chegar a esse estado.
Sinceramente há algumas bandas que até me impressionam, por
exemplo, tens muitos talentos novos e bastante interessantes a surgir na onda do Metal P
rogressivo. São bandas que fazem um álbum muito interessante e ficam por ali, não te surpreendem muto mais. Eu sou um gajo que não estou naquela onda , “ Eu já sei tudo, ninguém
me consegue impressionar”, não man, eu passo horas e horas à frente do computador
a descobrir musica, a ouvir música e quero sentir-me arrebatado, percebes ? Vejo coisas bem feitinhas dentro de uma certa
onda e percebo, “ isto tem influencias dos Arch Enemy com um cruzamento de Trivium e
uma pitada de Metallica, pronto, ok, mas vamos lá ver o que esta banda vai dar”.
Ainda recentemente, a Roadrunner
tentou impingir a ideia de uma banda que são os King 810. Os gajos dizem “ aqui estão os novos Slipknot” , tú ouves e… pronto, o vocalista é meio marado do juízo mas aquilo é quase uma
cópia dos American Head Charge que surgiram
nos anos 90, gravaram um álbum que eu gosto muito, mas depois ficaram no nada. A última banda que eu achei interessante foram os Five Finger Death Punch. É numa onda Pantera , têm aquela garra porreira, sabem fazer cenas com ritmo e
o vocalista também é um grande marado.
Outra banda que eu me orgulho imenso de ter estreado em
Portugal foram os System
Of A Down. Nunca se ouviu um som
daqueles. Aquilo é uma mistura de Frank Zappa com influências arménias e Metal… sei lá, aquilo é uma coisa poderosíssima. Estou sempre à espera que apareça qualquer coisa dentro desses moldes e que arrebate uma pessoa . Agora tens putos com 17
anos a tocar guitarra como o Steve Vai .
São muito bons executantes e parecem
máquinas a debitar e a fazer shredding
. Mas depois falta o feeling, falta a personalidade. Ouves aquilo e dizes : “ Isto em termos matemáticos é muito bom
mas… não há carne, não há sumo”.